SEGUROS: PL sobre Seguros Privados fere o Código de Processo Civil e Lei de Arbitragem

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O chamado “Projeto de Lei dos Seguros Privados” (PLC 3555/04), originário da Câmara dos Deputados, tem por objetivo estabelecer normas gerais sobre o tema no Brasil e revogar dispositivos do Código Civil (2002), do Código Comercial (1850) e do Decreto nº 73/66.

Atualmente aguardando apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o projeto, que tramita há mais de 15 anos, foi alvo de diversas audiências públicas, recebendo, ao todo, 199 emendas e 4 substitutivos[1].

Por mais que a redação atual tenha apresentado evoluções e se distanciado, em diversos aspectos, daquele conteúdo inicial, ainda assim o projeto apresenta previsões normativas que contrariam dispositivos do Código de Processo Civil[2] e da Lei de Arbitragem[3].

Cosseguro

Ao tratar do Cosseguro[4], o projeto especifica que a sentença proferida contra a seguradora líder fará coisa julgada em relação às demais[5], ainda que estas não estejam no polo passivo; por outro lado, o Código de Processo Civil é claro no sentido de que a sentença não prejudicará terceiros[6] e, ainda, que não poderá haver execução contra quem não participou da fase de conhecimento da ação[7].

Além disso, o projeto menciona hipóteses em que, nos Contratos de Seguro, será aplicada, com exclusividade, a legislação brasileira[8], ao passo que a Lei de Arbitragem faculta às partes convencionarem o regramento que balizará a futura decisão do caso[9], sem restrições.

Normas contraditórias

Esta proliferação legislativa de normas contraditórias torna o Direito uma ciência extremamente complexa não só para a população, mas também para os Poderes da República. Não há como negar a dificuldade na assimilação deste sistema jurídico, sobretudo na identificação, eleição e harmonização das leis que serão aplicáveis a uma determinada situação concreta.

Traduzido na insuficiência organizacional do Direito, este cenário também eleva, ao extremo, o nível de imprevisibilidade e incoerência geradas por decisões judiciais díspares e conflitantes.

E quanto mais os cidadãos e empresas procuram o Judiciário, mais ele escancara as dificuldades para cumprir suas três funções básicas: (a) a função instrumental de dirimir litígios, neutralizar conflitos e manter as estruturas sociais sob controle; (b) a função institucional de reforço da legitimação e eficácia do sistema e; (c) a função simbólica, de efetivação das orientações sociais, por meio de decisões exemplares e de uma jurisprudência clara e uniforme[10].

Portanto, se o Estado-Juiz, influenciado pela prática legislativa muitas vezes contraproducente, não propiciar aos cidadãos um mínimo de racionalidade decisória, o resultado será inevitável: um verdadeiro quadro de instabilidade social, jurídica e econômica, tão prejudicial ao desenvolvimento da sociedade brasileira.

 

[1] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7997792&ts=1571777994588&disposition=inline

[2] Lei 13.105/15

[3] Lei 9.307/96, alterada pela Lei 13.129/15

[4] Cosseguro, em linhas gerais, é a divisão de responsabilidade entre seguradoras na cobertura de um mesmo risco ou de um mesmo segurado.

[5] Art. 37 (…) §4º A sentença proferida contra a líder fará coisa julgada em relação às demais, que serão executadas nos mesmos autos.

[6] Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

[7] Art. 513 (…) §5º O cumprimento de sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

[8] Art. 9º O contrato de seguro, em suas distintas modalidades, será regido por esta Lei. §1º Aplica-se exclusivamente a lei brasileira: I – aos contratos de seguro celebrados por seguradora autorizada a operar no Brasil; II – quando o segurado ou o proponente tiver residência ou domicílio no País; III – quando no Brasil situarem-se os bens sobre os quais recaírem os interesses garantidos; ou IV – sempre que os interesses garantidos recaírem sobre bens considerados relevantes para o desenvolvimento da infraestrutura brasileira.

[9] Art.11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: IV – a identificação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes.

[10] Idem

 

* Por Danilo Leme Crespo, advogado da área de Direito Securitário