REGULATÓRIO: Anatel busca promover regulação de conceitos da Economia Comportamental

Há algum tempo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vem empreendendo esforços na implementação do modelo responsivo de regulação. A regulação responsiva tem por características a execução que considera o contexto do mercado, as consequências das intervenções e o ideal de desenvolvimento da cooperação entre os agentes. Então, buscando atualizar o método de organização, controle e fiscalização do mercado de telecomunicações, atenta à realidade que se impôs disruptiva e considerando que o modelo ainda aplicado vem da década de 90 do século passado, a Anatel coloca em curso diversas ações, tais como, a revisão de regulamentos e a realização de estudos setoriais.

Foi neste contexto que no dia 12 de março a Agência realizou um seminário para apresentar a pesquisa Comportamento e Consumo – Caminhos para entender o comportamento do consumidor de serviços de telecomunicações.

 

A pesquisa foi empreendida pela Anatel em parceria com o IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia) e contou com o apoio da Universidade de Brasília. O estudo recebeu respostas aos questionários devolvidos por 11 agentes de mercado, dentre eles algumas das principais operadoras de telecomunicações brasileiras. O modelo aplicado ao projeto de pesquisa procurou avaliar o comportamento dos três agentes de mercado: consumidor, empresa regulada e regulador. O trabalho foi executado durante 2 anos e foram analisadas 11 milhões de reclamações. Isso tudo foi feito tentando ampliar o conteúdo das reclamações para capturar não apenas a sua causa imediata, como também outras que, porventura, fossem fatores de motivação para a insatisfação do consumidor usuário dos serviços.

Para execução do projeto foram utilizadas tecnologias atuais, em especial o aprendizado de máquina, usado na para a mineração e estruturação dos dados analisados, de forma supervisionada, sendo capaz de classificar causas múltiplas e novas para as reclamações avaliadas.

Mas a finalidade da pesquisa não foi apenas entender as reclamações, houve também a intenção de identificar e analisar as boas práticas, mensurar pontos positivos e eventualmente negativos. O objetivo é orientar o mercado na aplicação mais aderente para o alcance da melhoria do nível de satisfação do consumidor na experiência como usuário.

 

Sobre os entregáveis, o estudo se dividiu em duas vertentes, a primeira, Estudo A, classificou as reclamações. A segunda, Estudo B, aplicou as variáveis de análise do histórico de aprendizagem e de cenário.

A partir do Estudo A foi possível aferir as principais causas de reclamações, conforme quadro abaixo, extraído da apresentação da Anatel/IBICT. É importante observar que como há causas múltiplas os volumes apresentados superam os 11 milhões em reclamações avaliadas.

 

O Estudo B, por sua vez, traz a inovação analítica com a consideração de contextos externos e próprios para uma avaliação pautada na economia comportamental, permitindo uma análise que pode ser preditiva e indicar soluções diferentes para conceitos semelhantes em cenários diversos, conforme figura abaixo, também extraída da apresentação do projeto.

 

Neste contexto, a pesquisa foi capaz de concluir que a satisfação do usuário tem dimensões diversificadas. Uma, que passa pela percepção de qualidade do serviço principal. E, outras que perpassam serviços suplementares, como qualidade de informação, qualidade de atendimento e qualidade de cobrança (incluída a recarga no caso de serviço pré-pago).

Na análise do comportamento do consumidor tomou-se em consideração cenários outros tais como o nível de escolaridade, variedade de canais de atendimento utilizados e realização de reclamações antecedentes. Outro fator considerado foi a existência de concorrência na região. Todos estes fatores, analisados em conjunto, sem dúvida, são capazes de influenciar o comportamento do consumidor e isso pode ajudar na calibragem do índice de satisfação e prever intervenções que podem ser mais ou menos aderentes a determinados perfis de clientes.

 

Já as boas práticas, consideradas como tais pelo Projeto, são aquelas sistemicamente programadas pelas operadoras para maximizar, para o consumidor, a produção de consequências reforçadoras ou minimizar as aversivas. De modo sintético as boas práticas devem atingir a quatro finalidades, são elas: 1. Proporcionar acesso do consumidor aos benefícios (incluindo, especialmente, entregar fielmente a oferta);  2. Reduzir a ocorrência de conflitos na relação de consumo (meios alternativos de solução e ações preventivas); 3. Proporcionar liberdade de escolha ao consumidor (reforço ao fácil acesso à informação para que a tomada de decisão seja consciente); e,4. Melhorara interação para solução de problemas (diversificar canais de acesso para atendimento).

A consolidação do trabalho está publicada no Caderno de Boas Práticas de Relacionamento com o Consumidor de Telecom, que está disponível na internet. Lá está bem descrito o modelo adotado, denominado BAAR (Behavioral-Analytical Approach to Regulation), que vem a ser um modelo analítico-comportamental muito adequado para a implementação da regulação responsiva, já que ela é orientada para a solução de problemas e estes são resultado da apreensão e julgamento, pelos destinatários, de condutas práticas realizadas por interação.

A partir deste modelo foi viável a análise da jornada do consumidor e a identificação dos momentos nos quais a prática impacta na experiência do cliente. Para tal análise a jornada identificada se subdividiu em “Jornada de Vendas”, integrada pela oferta e pela contratação; e em “Jornada de Serviços”, que alcança a utilização, o faturamento e o atendimento e solução.

 

O consumidor, representado por pesquisadores treinados, teve participação pela prática da ferramenta “Cliente Oculto”, o que permite a análise da experiência em bases reais. De todo o contexto foram identificados elementos de insatisfação, tais como: falta de opção e flexibilidade nas ofertas, site pouco intuitivo, impaciência e despreparo do atendente, chat ineficiente, demora e lentidão no atendimento, dentre outros. Por outro lado, alguns dos elementos de satisfação descobertos estão na praticidade de atendimento, ouvidoria rápida, atendimento personalizado, site organizado, programa de fidelidade e linguagem explicativa.

Com esta breve exposição de dados realizada por oportunidade no seminário também se poderia cogitar que os problemas apontados, em grande parte, são interrelacionados, de modo que a partir de uma análise de Pareto seria possível encaminhar soluções para causas que sistematicamente teriam reflexos em outras, como, por exemplo, a Cobrança Indevida sobre o Cancelamento. No caso da oferta, a clareza tende a aumentar o conforto do usuário que terá uma entrega de serviço eficiente, não sofrerá frustrações e não teria razão para reclamar de Problema com o plano ou de Cobrança indevida, por exemplo.

Na mesma linha está a contextualização promovida que permite agregar variável essencial para a implementação da regulação responsiva, a diversidade de cenários e incentivos no resultado do comportamento do consumidor. Além disso, o benchmarking que o regulador promove tende a induzir que as boas práticas sejam replicadas e que as aversivas sejam descontinuadas, o que por si só é um ganho imenso.

 

A regulação responsiva, isso é importante ressaltar, é atenta à consideração dos fatos, dados e consequências. Ela analisa os antecedentes dos agentes, também a conduta (se colaborativa ou evasiva) e, ainda, promove a eficiência, não sendo refratária ao seu alcance por soluções simples, baratas ou inovadoras e, como finalidade primordial, a regulação responsiva, aplicada ao setor de telecomunicações, pretende desenvolver a satisfação do consumidor dos serviços. E este objetivo é mais bem ordenado com base em estudos e análises que possam permitir avaliação multidisciplinar e multifocal.

Assim, não se pode deixar de apoiar a iniciativa da Anatel no investimento de soluções fundadas em análises profundas e técnicas, construídas com colaboração multidisciplinar e com a participação conjunta dos agentes de mercado (regulador, regulado e consumidor).


Por Alexandre Almeida da Silva, Mestrando em Direito Público pela FGV/SP, Especialista em Direito Privado Patrimonial pela PUC-Rio, formado em Direito pela UFRJ. Sócio da área Regulatória de Morais Andrade, Leandrin e Molina Advogados.

 

Quer entender mais?
Converse agora mesmo com o Alexandre e a nossa área de Direito Regulatório!