COMUNICAÇÃO: Sem Lei, Tributação sobre Publicidade Audiovisual na Internet não é Legítima

Não é de hoje que a discussão que versa sobre a cobrança de CONDECINE (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional) pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema) sobre a exploração de obras audiovisuais publicitárias na internet traz descomodidade ao negócio publicitário. Isso porque a regulação deste segmento produziria relevantes impactos ao mercado digital.

 

Obras audiovisuais publicitárias

Vale destacar que a ANCINE, criada através da Medida Provisória nº 2228-1/2001[1] e com alterações dispostas pela Lei nº 10.454/2002[2], tem por objetivo o fomento, regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica, incluindo-se nesta última a obra publicitária[3].

A partir desta concepção, as obras audiovisuais publicitárias (com exceção àquelas veiculadas no mercado digital), estão sujeitas a uma cadeia de obrigações, dentre as quais merecem evidência aquelas que condicionam expressamente sua veiculação, quais sejam:

a) A obrigatoriedade de registro prévio da obra audiovisual publicitária e a respectiva emissão do Certificado de Registro de Título (CRT)[4], cuja solicitação é restrita a empresas de produção, distribuição e exibição de obras cinematográficas e videofonográficas nacionais ou estrangeiras já habilitadas junto àquela Agência[5]

b) A necessidade de inserção de claquete de identificação da obra, da qual deverão constar informações detalhadas, como o número do CNPJ da produtora ou da detentora dos direitos de exploração comercial ou licenciamento

c) O recolhimento da CONDECINE, sendo que, a sua não comprovação pode incidir na retirada da exibição da obra e às penalidades previstas em Lei, inclusive, ao pagamento de multa no valor de dois mil a dois milhões de reais.  

 

Fato gerador da tributação

O recolhimento da CONDECINE supracitado, possui natureza tributária e tem como fato gerador a veiculação, produção, licenciamento e distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas publicitárias com fins comerciais.

Quando proveniente de títulos de obras audiovisuais publicitárias, este recolhimento possui custo fixo, anual e é determinado por segmento de mercado. Sendo este último composto por:

a) salas de exibição

b) vídeo doméstico, em qualquer suporte

c) serviço de radiodifusão de sons e imagens

d) serviços de comunicação eletrônica de massa por assinatura

e) outros mercados.

Diante da ausência de definição pela Lei do que estaria abrangido pelo segmento denominado como “outros mercados”, a ANCINE se aproveitou desta lacuna para admitir a inclusão do mercado digital neste segmento por meio de uma Instrução Normativa.

A partir daí, movimentou-se o debate acerca da legitimidade desta inclusão, que não poderia ser realizada pela Agência por meio de Instrução Normativa – já que esta não possui poder para definir fato gerador de tributo, mas sim por Lei, conforme o que dispõe os artigos 146, I da Constituição Federal[6] e 97 do Código Tributário Nacional[7].

A discussão que aborda a legalidade de se ampliar a incidência de tributos por meio de Instrução Normativa é fato reincidente junto à ANCINE. Uma situação similar ocorreu com a edição das INs nº 105 e 95 publicadas no ano de 2011, que determinaram a cobrança de CONDECINE ao mercado de Vídeo Sob Demanda (VoD)[8][9].

 

Análise de Impacto Regulatório (AIR)[10]

Frente ao amplo questionamento de legitimidade desta tributação e em razão do inconformismo das associações do meio publicitário, a Agência deliberou pela elaboração de uma AIR.

Tal análise considerou, além da discussão de legalidade da norma já mencionada, os principais fundamentos elencados pelas partes diretamente impactadas, que não se limitam aos seus produtores, mas também às plataformas que se utilizam deste formato de veiculação publicitária, das pessoas físicas que produzem diretamente conteúdo publicitário (tais como influencers e youtubers etc.), bem como, pela dificuldade de se controlar e fiscalizar a divulgação de  anúncios publicitários veiculados ao vivo.

 

Regulação das obras audiovisuais publicitárias na internet

Em decorrência desta análise (cuja minuta ainda não foi disponibilizada[11]) a Diretoria Colegiada revogou, de forma unânime, as normas que obrigariam o registro e recolhimento de obras audiovisuais publicitárias na internet, cuja decisão foi publicada no último ano através da Instrução Normativa nº 147[12].

Considerando, portanto, que a publicidade digital é uma realidade em constante expansão, é cristalina a percepção de que a regulação deste mercado está ocorrendo de forma desacelerada em comparação ao crescimento de novos modelos de negócio. Portando, evidente a necessidade da ANCINE pela abrangência de sua competência ao ambiente digital, o que resultou no esforço emergente de atribuição dessas medidas por meio de Instruções Normativas.

Evidente o interesse da ANCINE pela normatização deste segmento em seu rol, pois apenas dessa maneira, a regulação poderá acompanhar o desenvolvimento acelerado da criação de novos negócios no mundo da publicidade digital.

Deste modo, conclui-se que mais cedo ou mais tarde há de suceder a admissão da internet como segmento de mercado para a exploração de obras audiovisuais publicitárias e, consequentemente, a respectiva incidência tributária, motivo pelo qual é preciso que o ramo publicitário esteja preparado para os impactos (não apenas financeiros) inerentes à esta normatização.

 

[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2228-1.htm. Acessado em 08.04.2020.

[2] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10454.htm. Acessado em 08.04.2020.

[3] Conceito de obra audiovisual publicitária disponível no inciso XXXV da Instrução Normativa nº 102/2012, disponível em https://www.ancine.gov.br/pt-br/legislacao/instrucoes-normativas-consolidadas/instru-o-normativa-n-105-de-10-de-julho-de-2012. Acessado em 08.04.2020.

[4] Manual e informações para registro de obra publicitária e emissão do Certificado de Registro de Título – CRT https://www.ancine.gov.br/pt-br/conteudo/passo-passo-para-emiss-o-de-crt-de-obras-publicit-rias. Acessado em 08.04.2020.

[5] Manual e informações para habilitação de agentes econômicos junto à ANCINE https://www.ancine.gov.br/manuais/passo-passo-sistemas/sad/registro-de-agente-economico e https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/manuais/REQUERIMENTO.pdf. Acessado em 09.04.2020.

[6] Ver artigo 146, I da CF http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em 09.04.2020.

[7] Ver artigo 97 do CTN http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acessado em 09.04.2020.

[8]Definição disponível em https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/apresentacoes/VoD_CSC%202a%20reuni%C3%A3o%203%20de%20setembro.pdf. Acessado em 13.04.2020.

[9] Minuta da Análise de Impacto Regulatório sobre VoD formalizada pela ANCINE disponível em https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/relatorio_de_analise_de_impacto_-_vod.pdf. Acessado em 10.04.2019.

[10] Análise de Impacto Regulatório (AIR) é um processo sistemático de análise, baseado em evidências, que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das opções de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos, tendo como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão

[11] Minuta do relatório ainda não disponibilizada pela ANCINE https://www.ancine.gov.br/pt-br/regulacao/relatorios-analise-impacto. Acessado em 13.04.2020

[12] Disponível em https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/ancine-revoga-norma-que-obrigaria-registro-e-recolhimento-de-obras-publicit. Acessado em 09.04.2020.

 

* Por Vanessa Milani Sgreccia