Em meio aos crescentes questionamentos quanto ao imenso poder e ao monopólio de dados das Big Techs, inúmeras investigações se iniciaram na tentativa de melhor entender como as maiores empresas de tecnologia do mundo conseguiram concentrar tamanho poderio. Com conclusões que mostram que as principais e mais relevantes gigantes da atualidade (Amazon, Google, Apple e Facebook) se valeram condutas que vão de encontro com as regras que definem uma concorrência saldável, percebeu-se a emergente necessidade de regulamentar e conter o poder dessas empresas, também como uma forma de tutelar a livre concorrência e o direito dos consumidores.
Nesse sentido, a União Europeia vem se preocupando com a criação de regulamentos que limitem a atuação das Big Techs. No dia 15 de dezembro de 2020, a Comissão Europeia divulgou um rascunho de medidas que serão adotadas para regulamentar a atividade dessas empresas, estabelecendo obrigações e sanções. Essas medidas reformularão o disposto na Digital Service Act – Lei de serviços Digitais da União Europeia, e a Lei de Mercados Digitais.
Em suma, a proposta prevê a aplicação de multas às plataformas, de até 6% da receita anual das empresas, quando não cumprirem com as novas regras trazidas na proposta. Como parte do texto, existirá a exigência de uma maior transparência no tocante à publicidade (garantindo aos usuários informações imediatas sobre as fontes dos anúncios que vêm online, bem como o motivo daquele anúncio aparecer para ele), aos critérios de remoção de conteúdo ilegal (discurso de ódio, conteúdo discriminatório, material de abuso sexual infantil, compartilhamento de imagens privadas sem consentimento etc.) e facilitação de acesso aos dados pessoais.
A intenção é assegurar o cumprimento de princípios já adotados pela UE no tocante aos Serviços Digitais, bem como proteger os direitos fundamentais no ambiente online (inclusive por meio do anonimato, pauta que ganhou corpo no Brasil após a revelação dos líderes do movimento Sleeping Giants). Para tanto, é essencial a garantia de uma maior transparência, obrigações de informação e a definição e atribuição de responsabilidade para os provedores de serviços digitais, havendo sempre o combate à conteúdos ilegais. Entretanto, a previsão quanto aplicação de multas decorrentes de violação das práticas antitruste não acontecem só na UE. A título de exemplo, a China iniciou investigação contra as empresas Alibaba e Tencent por violarem suas regras antimonopólio e concorrenciais, aplicando também multas pelo ocorrido.
A incorporação dessas medidas que reformam os regramentos já existentes, além de ambiciosa no tocante ao comércio eletrônico e aos serviços digitais, é uma forma de assegurar a aplicação dos princípios fundamentais da UE, bem como a possibilidade de atribuição, em algum nível, de responsabilidade à essas empresas pelas práticas anticoncorrenciais das quais vêm se valendo, como uma forma de se manterem com o monopólio de mercado. A aplicação de multas quando da violação das práticas antitruste, é uma medida que visa também garantir, a logo prazo, que os consumidores terão uma maior confiança na economia digital, que é hoje, de grande expressividade na economia global.
Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima é Doutor em Direito pela USP, professor de Direito Digital, Direito da Inovação e Direito Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie e um dos sócios da área de Direito Digital do Morais Andrade.