O Procon São Paulo (Procon SP) lançou, recentemente, uma Cartilha sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais com o seguinte subtítulo: “O que você precisa saber”, com o intuito louvável, a princípio, de informar e educar os consumidores sobre seus direitos como titulares de dados pessoais, que são. Caso queira conferir o material completo, é só clicar aqui.
Assim, em princípio, a iniciativa é condizente com princípios do Código de Defesa do Consumidor e guarda consonância com os §§3º e 4º, do art.55 – J, da Lei Geral de Proteção de Dados, que trata da interação entre a ANPD e outros órgãos relacionados a setores específicos com a finalidade de promover adequação destes setores à LGPD.
Todavia, a Cartilha já se inicia incutindo ao tratamento de dados pessoais realizado pelo mercado um viés negativo, com trechos que dizem mais do que qualquer descrição:
“Não conseguimos mais comprar medicamentos em uma farmácia sem que o atendente nos pergunte primeiro qual o número do CPF”. (…)
“Enfim, é uma ameaça à nossa privacidade e liberdade individual; desrespeitando vários direitos básicos, entre eles o direito à informação clara e verdadeira e o direito à livre escolha”.
A Cartilha se inicia enviesada, sem contar ao consumidor o que há de bom em relação ao tratamento de dados, sem contar como os produtos e serviços se tornaram muito mais eficiente em razão da livre circulação de dados e como o equilíbrio entre a defesa do consumidor e a livre circulação de dados não só faz parte da história da LGPD, como representa um mercado sadio que favorece o consumidor.
A bem da verdade, na página 11, há uma tímida menção aos benefícios da circulação de dados, mas insuficiente a demonstrar a existência de vantagens ao consumidor. Além disso, é dado um destaque maior à base legal do consentimento (somente esta possui tópico próprio), sendo as demais tratadas como secundárias; o legítimo interesse não vem sequer informado com as hipóteses descritas no art.10. Ao final, o consumidor é induzido a tomar decisões que afetam a sua liberdade pessoal como: “Seus dados pessoais sensíveis, especialmente sobre sua saúde, só interessam a você e ao sistema de saúde”. Será? O Consumidor não pode entender de forma diversa? Isso está na LGPD ou no CDC, onde?
Outro exemplo: “Não permita que coletem sua impressão digital. Isso só pode ser feito pelos órgãos oficiais de identificação”. Será que só pode ser feito por órgãos oficiais? Desde que haja consentimento específico e destacado, conforme, artigo 11, da LGPD, pode ser sim realizada a coleta para finalidade específica.
Por fim, concluímos que o que poderia ser uma iniciativa positiva de informação e educação ao Consumidor e de harmonização das relações de consumo, tudo como preveem os artigos 4º e 6º do CDC, pode fomentar a desinformação, trazendo condutas abusivas como regra, sem conceder aos consumidores parâmetros do que é positivo, enfim, indo na contramão do equilíbrio entre a proteção de dados dos consumidores e a livre circulação destes.
Lygia Molina é graduada, mestrada e professora convidada em Direito pela PUC-SP, advogada e sócia do escritório Morais Andrade Advogados, tem experiência em Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Digital, Tecnologia, Proteção de Dados e certificações em proteção de dados pessoais pela EXIN.
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